Parlamentares de diferentes partidos, além de diversas organizações da sociedade civil, se manifestaram contrariamente ao projeto de lei em discussão na Câmara dos Deputados (PL 2996/19) que acaba com a obrigação de que cada partido ou coligação reserve 30% de candidaturas femininas, contida na atual Lei Eleitoral (Lei 9.504/97).
Em debate promovido pela Frente Parlamentar em Defesa da Mulher nesta quarta-feira (28), entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o Fórum Nacional de Instâncias de Mulheres de Partidos Políticos se manifestaram contra a proposta, que aguarda votação na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania.
Para a ex-ministra do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Luciana Lócio, a Câmara deveria estar discutindo, na verdade, medidas para garantir a paridade de gênero no Parlamento, a exemplo da Argentina, que promove esse debate neste momento, ou da Bolívia, que já tem garantida cota de 50% das cadeiras para mulheres e tem 52% de mulheres no Parlamento. Enquanto isso, segundo a ex-ministra do TSE, o Brasil tem a pior representação feminina na política da América Latina.
Ela considera um “retrocesso” a proposta que extingue a cota de candidaturas, em um momento de crescimento da bancada feminina na Câmara, que aumentou de 10% para 15% dos deputados nesta legislatura, em relação à anterior. Luciana atribui esse salto à decisão do TSE, em 2018, que garantiu a aplicação de no mínimo 30% dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha às candidaturas femininas nas últimas eleições.
Projeto em discussão
Autora da proposta, a deputada Renata Abreu (PODE-SP) reclama que não foi convidada para o evento. A parlamentar diz que o texto que está efetivamente em discussão é o PL 4130/19, que foi apresentado posteriormente por ela, apensadoao PL 2996/19 e que não acaba com a cota de 30% de candidaturas femininas.
O PL 4130/19 diz que, se os partidos não preencherem a cota, deverão deixar a vaga vazia. “Assim, se os partidos não preencherem, não precisarão tirar um homem”, explica.
Segundo ela, o PL 4130/19 garante o mínimo de 30% de recurso do fundo de financiamento para as mulheres. “Além disso, o voto na mulher contará em dobro para cálculo do fundo partidário”, acrescenta. “Ou seja, os partidos vão ter muito mais incentivo em investir nas mulheres”, avaliou. O texto fixa que, para cálculo da divisão do fundo, serão consideradas as candidaturas registradas nas eleições proporcionais (Legislativo) e majoritárias (Executivo e Senado), incluindo vices e suplentes.
Divisão da bancada
Renata Abreu garante que metade da bancada feminina é favorável a essa proposta, que teria amplo apoio dos partidos na Casa.
Coordenadora da Frente Parlamentar em Defesa da Mulher, a deputada Celina Leão (PP-DF) defende a obrigatoriedade da cota de candidatas mulheres e garante que não há uma divisão da bancada feminina sobre o tema.
“Não há uma divisão. A maioria das mulheres está unificada nessa tentativa de não retroceder”, disse. “Existem algumas divergências, uma minoria de mulheres que entende que não precisaria dessas cotas”, completou. “Mas o problema é que não estamos mexendo apenas no direito das deputadas que estão aqui no Parlamento, nós estamos mexendo no direito de todas as mulheres”, acrescentou.
Interesse partidário
Primeira secretária da Câmara, a deputada Soraya Santos (PL-RJ) acredita que algumas integrantes da bancada feminina vem priorizando a defesa dos interesses partidários em detrimento da defesa de mais igualdade entre homens e mulheres. Na visão da deputada, os partidos têm que investir mais na capacitação das mulheres na política em vez de se posicionar contra as cotas.
Soraya Santos destacou que “quanto mais mulheres na política, mais pautas voltadas para a defesa dos direitos humanos”. Segundo ela, a bancada feminina vem se unindo, por exemplo, para defender os direitos dos idosos e das pessoas com necessidades especiais e as pautas relativas à a educação.
Jenny Lenning, ministra conselheira da Suécia, também compareceu ao debate e afirmou que os pilares para uma sociedade igualitária entre homens e mulheres incluem direitos, representação e recursos. O país tem um governo autoentitulado feminista e é um dos Parlamentos mais igualitários do mundo em termos de gênero.
Reportagem – Lara Haje
Edição – Marcia Becker