Luana, as irmãs Marcela e Manuela, Patrícia, Neyde Alice e a filha Manuela, Juliana e Leonor. O que elas têm em comum? São chocolateiras do sul da Bahia que avançam com o empreendedorismo feminino numa região onde o protagonismo na economia sempre foi dos coronéis do cacau.
Mas os tempos, são outros. A praga da vassoura-de-bruxa dizimou pés de cacau em 1989 e fez a produção cair de 400 mil toneladas para 92 mil toneladas em 1990, levando os coronéis à falência, Junto com eles foi-se um modelo de produção mais baseado na quantidade que na qualidade. Hoje, muito graças ao empreendedorismo e criatividade femininos, o foco está na qualidade.
A ideia é proporcionar ao paladar humano as melhores experiências, o que foi determinante para o desenvolvimento da produção artesanal de chocolate do tipo “from bean-to-bar” – ou “da amêndoa à barra” em português. Aí, um produto que era caseiro virou profissional e agora é vendido em casas especializadas do Brasil.
O “bean-to-bar” é o que tem feito o setor do cacau voltar a crescer no sul da Bahia. De acordo com a Associação dos Produtores de Chocolate de Origem do Sul da Bahia (Chocosul), onde há cerca de 45 mil produtores de cacau associados, as fazendas estão com entre 20 e 30% da produção voltada para as amêndoas de qualidade, que nos últimos dois anos movimentou R$ 1,2 bilhão.
“Há um esforço coletivo pela qualidade do chocolate ‘bean-to-bar’ na Bahia e no Brasil, sobretudo pela valorização que tem no mercado para esse produto”, disse Pedro Magalhães, presidente da Chocosul. O maior comprador das amêndoas finas é a marca de chocolates Dengo, pertencente à Natura, empresa de cosméticos.
A Dengo, segundo produtores, costuma pagar R$ 300 na arroba da amêndoa selecionada (são 15 quilos cada arroba), enquanto na indústria a arroba não é vendida por mais de R$ 153, quase o mesmo valor da arroba do cacau convencional (R$ 150).
A empresa informou ao CORREIO que ano passado chegou a pagar R$ 1.590 numa saca de 60 quilos de amêndoa de cacau especial devido à alta qualidade. E informou não comentar outros números que são considerados estratégicos para empresa. No entanto, a Natura disse que a valorização da amêndoa de qualidade por parte dela varia de 70% a 160% acima do valor de mercado convencional. A empresa compra cacau fino de 138 produtores do sul da Bahia e sua prioridade é para a aquisição da produção feita no sistema “bean-to-bar”.
PIONEIRA
Em Ilhéus, o conceito de produção “bean-to-bar” já saiu das fazendas e está na área comercial do centro da cidade, onde a empresária Marcela Monteiro de Carvalho, de 44 anos, abriu, há 9, uma loja exclusivamente deste segmento.
Nascida em Ilhéus, ela é bisneta do coronel Manoel Misael da Silva Tavares, que foi um dos maiores produtores individuais de cacau da cidade. A loja, onde trabalham quatro pessoas, é tocada em sociedade com a irmã, Manuela, 47.
Marcela é formada em administração e pós-graduada em comércio internacional, com experiência profissional numa firma de exportação. Após uma temporada no Canadá, atuou por sete anos como militar do Exército, no cargo de tenente temporário, entre 2011 a 2018. “Eu levava a vida de forma paralela ao chocolate”, conta. Ela e a irmã Manuela usam as amêndoas especiais de um pequeno produtor, João Tavares, para fazer bombons – mais de 40 sabores, alguns exóticos, como alfazema e jabuticaba – que são vendidos na loja delas, a Cacau do Céu Chocolates Finos.
Apesar de a família ter décadas de conhecimento de produção de cacau, as duas irmãs são da 1ª geração na produção de chocolate. E estão se preparando para no ano que vem lançar uma linha de produtos “tree-to-bar”, com o cacau da fazenda Boa Lembrança, de 75 hectares e pertencente à família. “Comecei ao contrário”, brinca Marcela. Com 14 anos, ela conta que vendia bombom na escola. Em 2008, ela foi morar no Canadá e quando voltou fez cursos de “bean-to-bar”. Para ela, “essa forma de produção representa um novo tempo para a região do sul da Bahia, é uma oportunidade que estamos tendo de construir uma nova história e mostrar que a nossa principal atividade econômica está muito viva, gerando empregos e se reinventando para melhorar a produção e oferecer produtos diversificados”, diz.
CONTINUIDADE
No universo das amêndoas de qualidade é que está mergulhada, desde 2012, a empresária Patrícia Nunes Viana, uma engenheira civil de 50 anos que deixou Salvador para assumir a fazenda centenária dos pais – Fernando Botelho Lima, 77, e Áurea Maria Lima, 76. Na propriedade de 270 hectares no município de Barro Preto, se planta cacau desde 1896. Nascida na cidade do Rio de Janeiro, numa época em que era comum os deslocamentos das famílias abastadas do sul da Bahia para o estado fluminense, Patrícia não perdeu tempo e lançou a marca Modaka, hoje referência no sul da Bahia em chocolates finos (70% cacau, com variações de sabor) e amêndoas crocantes caramelizadas que são vendidas em caixas e consumidas diretamente. Ela também faz cacau em pó, manteiga de cacau e o nibs (amêndoa triturada), usado na culinária especializada.
“Estamos lançando uma linha de geleias feitas de cacau e outras frutas que produzimos na fazenda, tudo de maneira orgânica. Com isso, vou dando continuidade ao trabalho dos meus pais, no melhor aproveitamento da produção da fazenda como um todo, não só com o cacau”, disse, informando em seguida que os produtos da Modaka estão em lojas especializadas do Sul e Sudeste.
O trabalho dos pais a que Patrícia se refere foi o início de um recomeço na fazenda São José, onde a produção de cacau antes da vassoura-de-bruxa chegou a 140 arrobas de cacau. Com a queda na produção, o jeito foi beneficiar o que já tinha aos montes na mata e não era aproveitado economicamente: as frutas.
Fazer polpas de cajá, cacau, manga, jenipapo e jabuticaba foi uma alternativa de sobrevivência. “Em 2008, minha mãe deu a ideia para o meu pai de trabalhar com derivados do cacau, e eles foram um dos pioneiros nessa questão de agregar valor ao produto”. Não demorou muito para fazenda São José passar do cultivo convencional ao orgânico. Hoje é uma das 31 associadas da Cooperativa Cabruca, sediada em Ilhéus e da qual só participa quem tem o selo do IBD Certificações para produtos orgânicos. Os cooperados produzem, cada um, entre 80 e 100 toneladas de cacau ao ano.
Mais de 60% da produção é exportada para Suíça e Itália, e o restante das amêndoas é usada para a produção de produtos especiais, como chocolates, cachaças, vinhos, geleia, melaço, mel de cacau, além de combinações que resultam em alimentos, a exemplos de granolas com cacau e farinha de tapioca, e nibs com rapadura.
BRIGADEIRO CASEIRO
Também no embalo do “bean-to-bar” é que segue a publicitária Luana Lessa, publicitária de 39 anos que é dona da Chor, uma das mais conhecidas marcas de chocolate de Ilhéus. Há seis anos ela tem uma loja no centro da cidade, para onde vão aos montes os turistas que chegam na cidade durante o verão.
Os chocolates da Chor são produzidos com amêndoas selecionadas de produtores da região que possuem o selo do Centro de Inovação do Cacau (CIC), um laboratório de análise e classificação das amêndoas com base nas características de aroma, cor e propriedades físico-químicas.
Todo o cacau comprado pela Dengo, por exemplo, passa pelo laboratório, que funciona na Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc) como uma ponte entre quem produz e quem compra. Com as amêndoas selecionadas, Luana Lessa fabrica 17 produtos, entre chocolates, bombons variados, trufas e doces.
O negócio começou com uma brigaderia há mais de dez anos, quando se fabricava apenas o chocolate caseiro. De uma tonelada de chocolate por ano, logo no início, em 2013, hoje a Chor produz 6 toneladas no mesmo período de tempo. E vende para todo o país. “Meu produto é de valor agregado, e as pessoas querem saber como ele é produzido, por isso muitos vêm aqui só para saber isso, ver de perto”, disse Luana.
Na loja da Chor, uma das quatro marcas de chocolate que possuem local próprio de venda, das 70 que existem no sul da Bahia, há espaço ainda para homenagens. O cenário da Baía de Todos os Santos, em Salvador, e um resumo da sua história vêm na embalagem do chocolate 88% cacau; o que tem 70% homenageia Porto Seguro e o descobrimento do Brasil; e o chocolate Terra de Santa Cruz (44%) é sobre São Jorge dos Ilhéus, nome da cidade na época da colonização.
“Esse ano lançamos o 77% cacau, que é um chocolate fino do fino, pois tem um cuidado mais especial com as amêndoas”, afirmou Luana, que atrai clientes de várias idades com as vendas de bombons de avelã, paçoca, caramelo de castanha-do-pará, caipirinha de limão, chocolate 70% com nibs, maracujá com 70%, geleia de cacau, leite ninho com patê de avelã.
E personaliza sabores também, caso uma pessoa queira, como fez a sueca Basia Pier Chocilska, 43, que mora há seis anos em Ilhéus. Ela trabalha com hipnoterapia, técnica de hipnose clínica usada, por exemplo, no tratamento de transtornos emocionais, físicos e psicológicos. “Meu consumo é de chocolate de hortelã”, disse. E é só dela.
PRODUÇÃO SECULAR
À frente da Senô Chocolates Finos, a empresária Leonor Lavigne de Lemos tem nas amêndoas de qualidade a principal ferramenta para bons negócios, desenvolvidos em parceria com o irmão Antônio Lavigne de Lima, 35, que cuida mais da fazenda Alegrias, de 158 hectares, localizada entre Ilhéus e Itabuna. Eles são a 6ª geração da família na mesma propriedade rural, onde a produção de cacau vem de mais de 200 anos.
Depois de penar por conta da vassoura-de-bruxa, a primeira barra de chocolate, finalmente, veio em 2015, e hoje é produzido também geleias, mel e o próprio nibs, tudo com amêndoas selecionadas. “Buscamos fazer a colheita do cacau na maturação certa para dar melhor qualidade ao produto. Da nossa produção de 30 toneladas, 25% é de cacau fino. Nossa expertise é a amêndoa de qualidade, com ela produzimos também o nibs, fazemos o mel de cacau, geleias, o melaço”, comentou.
Na Bello Chocolates, Neyde Alice Pereira, pesquisadora em tecnologia e ciência da Comissão Executiva da Lavoura Cacaueira (Ceplac), e a filha Manuela, expandem os negócios de chocolates finos por meio de parcerias em lojas da Bahia e de Minas Gerais. O diferencial delas é a mistura do chocolate com outras frutas. “Eu não me envolvo com a produção, só escolho as amêndoas e ela faz o chocolate”, disse Neide, que tem 67 anos, 41 deles como funcionária da Ceplac. “Já passou do tempo de eu me aposentar, só não fui ainda porque amo o que faço”, diz.
Algumas formulações da Bello Chocolates são feitas com um blend de híbridos trinitários, “um verdadeiro presente da natureza”, diz Manuela, informando em seguida que “para os amantes de café, temos a formulação 63% cacau com café. Ele é produzido com amêndoas de cacau frutado de frutas secas em harmonia com café gourmet mineiro de aroma intenso e notas de chocolate e nozes”, descreve.
E se engana quem pensa que as mulheres chocolateiras se destacam apenas por suas produções inovadoras e de qualidade. Na fazenda Vale Putumuju, de 350 hectares, a dona da marca Baiani Chocolates, Juliana Aquino, cantora de Bossa Nova, de 53 anos, além de produzir chocolates de sabores diversos, como pimenta, laranja e limão, ainda auxilia 19 estudantes de uma escola multisseriada (do 1º ao 5º ano) dentro da propriedade.
“Reformamos a escola e compramos materiais novos, a Prefeitura de Arataca nos atende com a professora e material pedagógico. Com isso, estamos conseguindo desenvolver mais a educação na região, já que o acesso é difícil”, disse Juliana, que é formada em Secretariado Executivo e em Gastronomia. “Lá é no sistema bean-to-school [da amêndoa à escola]”, brincou.
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