Polícia trata caso de mulher morta em Vicente Pires como feminicídio

Polícia trata caso de mulher morta em Vicente Pires como feminicídio

A Polícia Civil identificou a mulher encontrada morta na Rua do Jockey, em Vicente Pires. A vítima tem 38 anos, se declarava pessoa em situação de rua e tinha documentação do Distrito Federal. Os investigadores da 38ª Delegacia de Polícia (Vicente Pires) preservam o nome dela, até a localização dos familiares. Na segunda-feira, pedestres se depararam com o corpo, amordaçado, com uma calça legging e sinais de estrangulamento. O caso é tratado como feminicídio e, se essa linha de investigação for confirmada, será o 18° registro desse tipo de crime no Distrito Federal este ano.

A delegada à frente das investigações, Adriana Romana, explica que conseguiu a identificação da vítima por meio das impressões digitais. “A documentação dela é registrada no DF e por isso conseguimos o nome com maior facilidade”, observa. Segundo a investigadora, registros policiais mostram que a mulher foi vítima em uma ocorrência de Lei Maria da Penha e há diversas notificações de familiares informando sobre o desaparecimento dela.

Adriana suspeita que a vítima tenha morrido no sábado. “Trabalhamos com a hipótese que ela tenha ido ao lugar onde morreu por vontade própria ou o corpo dela foi jogado ali. É um lugar bastante escondido”, comentou na delegada. De acordo com ela, o objetivo dos investigadores, agora, é interrogar familiares para traçar o perfil da mulher. “Queremos saber quem ela era e quem pode ter cometido esse crime”, completou.

omo a vítima foi encontrada nua, com alguns pertences espalhados ao lado do corpo, como roupas, joias e cigarros, os policiais trabalham com a hipótese de que ela tenha sido estuprada. Mas apenas exames do Instituto de Medicina Legal (IML) podem comprovar a hipótese.

Violência

Nos sete primeiros meses de 2018, as delegacias da capital contabilizaram 19 feminicídios, 5% a menos do total de registros contabilizados até esta terça-feira (27/8), segundo levantamento do Correio. Apesar da redução, outros crimes de violência contra mulher mostram crescimento. Dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP) apontam que os feminicídios tentados cresceram 77% em comparação entre os primeiros semestres de 2018 e 2019, pulando de 31 para 55.
As denúncias de violência doméstica aumentaram mais de 2,5% nos primeiros seis meses do ano. Nesse período, ocorreram 7.820 registros e, em igual intervalo do ano passado, 7.618 casos. Coordenadora do Núcleo de Defesa da Mulher da Defensoria Pública do DF, Dulcielly Nóbrega ressalta que os números de violência contra mulher sempre foram altos, porém, hoje, há legislação específica para punir agressores. “A lei do feminicídio tem apenas quatro anos. A partir de agora, estamos conseguindo fazer um recorte, e isso é importante para verificar o problema e estabelecer políticas públicas”, explica.
A especialista destaca que a denúncia é uma das melhores ferramentas para combater a violência contra a mulher. “Pesquisa da Secretaria de Segurança Pública, divulgada no início do ano, mostrou que 70% das mulheres vítimas de feminicídio desde 2015 não tinham feito denúncia. Além disso, a maioria havia morrido em casa e, das 30% que procuraram a polícia, algumas não estavam com medida protetiva em dia”, comenta Dulcielly.

No entanto, ela destaca que o combate à violência contra mulher não deve ser restrito às forças de segurança ou à Justiça. “Essa questão abrange vários setores. A saúde, por exemplo, deve saber identificar uma mulher que chegou ao hospital vítima de agressão do marido e conscientizá-la”, reforça. Segundo a defensora, o Estado também deve investir em educação e ensinar desde a escola sobre respeito entre gêneros, cultura e trabalhar mecanismos de responsabilização.


77%

Percentual do aumento de feminicídios tentados no DF

ARTIGO

Por Raoni Maciel, promotor de Justiça, integrante do Núcleo do Tribunal do Juri e de Proteção da Vida do MPDFT

É preciso perseverar
A Lei que tipificou o feminicídio ganhou vigor em março de 2015. Passados mais de quatro anos, a impressão geral é de que os números dos feminicídios não param de crescer. Esta semana os meios de comunicação contabilizaram o 17º caso de feminicídio de 2019 no Distrito Federal. Ainda que a contagem nos jornais seja feita com base em apurações preliminares, ela é corroborada pelo incremento substancial no número de ações penais propostas pelo Ministério Público desde 2015, quando foram seis denúncias, até 2018, com 19 denúncias por feminicídio consumado.
Esses números absurdos e inaceitáveis parecem indicar um fracasso acachapante de nossas tentativas de controlar, ou ao menos minorar, a violência contra a mulher. Diante da sensação de frustração que esse quadro enseja, porém, é preciso lançar um olhar mais atento. Pode ser que, paradoxalmente, isso ocorra por estarmos caminhando na direção correta.
Em 1873 o desembargador José Cândido, da comarca de Alagoas, matou Mariquinhas, uma jovem de 17 anos. Mais recentemente, em 1976, Doca Street matou Ângela Diniz na praia dos Ossos, em Búzios. A qualificadora que trata do feminicídio foi positivada em 2015, mas crimes cometidos dentro dos contornos ali definidos, que só então passaram a ser chamados de feminicídios, já ocorriam anteriormente. Isso é óbvio, mas às vezes é o óbvio que nos escapa enquanto procuramos entender as coisas.
A própria vigência da lei não é, em si, o último passo para sua aplicação. O sistema de justiça criminal leva tempo para consolidar as interpretações relativas ao novo tipo penal. Longas discussões jurisprudenciais ocorreram para definir, por exemplo, que a qualificadora é objetiva. Uma questão teórica com reflexos práticos inclusive no número de casos que seriam contabilizáveis como feminicídio ao final do julgamento. Os feminicídios praticados dentro do contexto de violência doméstica ainda contam com a jurisprudência consolidada pela Lei Maria da Penha. Quando o crime envolve menosprezo ou discriminação à condição de mulher, por outro lado, o sistema de justiça criminal se depara com uma situação que exige toda uma nova construção conceitual, para tratar os feminicídios cometidos no espaço público.
Esses números trágicos, que parecem aumentar a cada ano, portanto, podem indicar que estamos melhorando nossa capacidade de identificar os feminicídios, e não que eles estejam propriamente acontecendo em maior número. Ter essa chaga social exposta é doloroso para todos nós. Porém, o enfrentamento desses crimes odiosos passa imprescindivelmente por reconhecê-los. Precisamos perseverar.

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