O número de crianças de 5 a 9 anos em situação de trabalho infantil voltou a crescer no Brasil em 2024, segundo dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Após queda de 24% entre 2022 e 2023, o índice registrou aumento de 22% no ano passado, alcançando 122 mil crianças nessa faixa etária.
A Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, que acompanha indicadores da primeira infância, destacou que o percentual de crianças submetidas ao trabalho foi o maior desde o início da série histórica, em 2016. Naquele ano, 110 mil crianças (5,24% da faixa etária) estavam nessa condição. Em 2023, eram 100 mil (6,19%), mas em 2024 o percentual subiu para 7,39%.
Para a CEO da Fundação, Mariana Luz, os números são preocupantes:
“Quando crianças de 5 a 9 anos trabalham, estão sendo privadas de brincar, aprender e crescer com segurança. Isso compromete o futuro delas e reforça desigualdades”, afirmou.
Ela acrescenta que a inserção precoce, muitas vezes ligada ao trabalho doméstico ou informal de famílias de baixa renda, ajuda a explicar esse aumento.
Desafios sociais e estruturais
De acordo com especialistas, períodos como as férias escolares intensificam o problema, já que muitos pais não têm com quem deixar os filhos. A advogada e educadora social Patrícia Félix, do Conselho Tutelar do Rio de Janeiro, defende a ampliação de escolas em tempo integral como forma de proteção.
A desigualdade racial também aparece nos dados. Enquanto crianças pretas e pardas representam 66% da população de 5 a 9 anos, elas são 67,8% das que estão em situação de trabalho infantil. Para Mariana Luz, esse recorte expõe uma falha estrutural grave: “Onde há pobreza e racismo, são as crianças negras que mais sofrem.”
Panorama nacional (5 a 17 anos)
Na faixa etária mais ampla, de 5 a 17 anos, o IBGE registrou queda de 21,4% nos últimos oito anos. No entanto, entre 2023 e 2024, houve crescimento de 2%.
Os dados mostram ainda que o país não atingiu a meta 8.7 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, que prevê erradicar o trabalho infantil até 2025.
Apesar disso, houve avanços: o Brasil registrou uma redução recorde das piores formas de trabalho infantil, listadas na Lista TIP (atividades de alto risco). Em 2024, eram 560 mil crianças e adolescentes nessa condição — 39% a menos que em 2016.
Papel do Bolsa Família
Outro dado positivo foi a redução mais acentuada do trabalho infantil entre famílias beneficiárias do Bolsa Família. Em 2024, 5,2% das crianças e adolescentes desses domicílios estavam em situação de trabalho, contra 4,3% na média nacional. A diferença, que em 2016 era de 2,1 pontos percentuais, caiu para 0,9 em 2024.
O que diz a lei
O IBGE segue critérios da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que define trabalho infantil como atividades que prejudicam a saúde, o desenvolvimento ou a escolarização. No Brasil, a legislação estabelece:
- até 13 anos: qualquer trabalho é proibido;
- 14 e 15 anos: permitido apenas como aprendiz;
- 16 e 17 anos: proibido em atividades noturnas, insalubres ou perigosas.
Casos podem ser denunciados gratuitamente pelo Disque 100 (Direitos Humanos).
Reação do governo
O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) informou que analisa os dados do IBGE. Segundo o coordenador de Trabalho Infantil da pasta, Roberto Padilha, houve redução das piores formas em 4,4%, mas aumento em 1% das atividades econômicas e em 7% nas voltadas ao próprio consumo.
Já o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) ressaltou que o país é signatário da Convenção 182 da OIT e atua na prevenção do problema, por meio de campanhas, programas de aprendizagem profissional e fiscalização em parceria com a Conaeti (Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil).
“Cada criança retirada de sua infância é uma falha coletiva. Precisamos agir com urgência para garantir que nenhuma criança esteja trabalhando quando deveria brincar e estudar”, concluiu Mariana Luz.
*Com informações da Agência Brasil