ColunasSaúdeSilêncio na menopausa: quando desequilíbrios hormonais se confundem com depressão

Silêncio na menopausa: quando desequilíbrios hormonais se confundem com depressão

Enquanto o país discute o problema da saúde mental e o extremo disso que é o suicídio, 40 milhões de brasileiras atravessam a transição hormonal da menopausa, muitas vezes em silêncio. Só que entre 2014 e 2023, por exemplo, as internações por tentativas saltaram de 3.390 para 5.854 de acordo com um levantamento da Associação Brasileira de Medicina de Emergência (Abramede), com base no Sistema de Informações Hospitalares do SUS. A realidade por trás dos números revela uma epidemia silenciosa, marcada por sintomas ignorados e tratamentos que mascaram, mas não resolvem.

Nos consultórios, os pedidos de ajuda chegam disfarçados. “Doutor, não consigo mais dormir”, “Estou sempre irritada”, “Não sei o que está acontecendo comigo”. A resposta, na maioria das vezes, é prescrição: zolpidem para o sono, escitalopram para o humor, clonazepam para a ansiedade. A prática expõe o cenário da hipermedicalização no Brasil, em que a insônia e o mal-estar da menopausa se transformam em diagnósticos psiquiátricos tratados com psicotrópicos.

Nas redes sociais, as mesmas mulheres publicam sorrisos, frases motivacionais e rotinas de autocuidado. Fora do feed, enfrentam a dependência de medicamentos, crises emocionais e a sensação de invisibilidade. “O que vemos é uma geração vivendo uma farsa digital enquanto enfrentam uma crise real no consultório. A medicalização excessiva pode anestesiar sintomas, mas não resolve o problema de base, que muitas vezes é hormonal”, afirma a médica e pesquisadora Fabiane Berta.

Segundo Berta, 96,8% dos casos de suicídio estão relacionados a transtornos mentais, mas parte desses quadros pode estar ligada ao desequilíbrio hormonal da menopausa, e não necessariamente a uma doença psiquiátrica. Quase metade das mulheres na menopausa dizem que se sentem deprimidas ou ansiosas. “Estamos prescrevendo antidepressivos quando deveríamos estar investigando níveis de estradiol e progesterona. É preciso enxergar além do rótulo da depressão e entender o impacto das alterações hormonais na saúde mental feminina”, alerta.

Em meio ao Setembro Amarelo, a provocação se faz necessária. Se 40 milhões de brasileiras estão vivendo esse processo, será que estamos ouvindo seus pedidos de ajuda? “A campanha reforça ‘Se precisar, peça ajuda’, mas talvez a pergunta mais coerente é se estamos mesmo prontos para oferecer a ajuda correta”, complementa a médica.

A invisibilidade do tema no sistema de saúde reflete uma dificuldade histórica de tratar a menopausa como transição natural e não como patologia. Para os especialistas, prevenir o suicídio nessa faixa etária significa ampliar o olhar clínico, identificar causas antes dos sintomas e oferecer alternativas que incluam reposição hormonal, acompanhamento psicológico e acolhimento social.

“Quando falamos em prevenção ao suicídio, não podemos continuar tratando sintomas como se fossem a doença. Escutar de verdade as mulheres na menopausa é enxergar além do rótulo da depressão e oferecer um cuidado que devolva dignidade, saúde e a vida”, conclui a médica.

 

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