“Vou te colocar na minha lista negra e não quero nem saber o que vai dar esse samba do crioulo doido, menina cor do pecado”! Essa frase, cheia de expressões aparentemente banais, contém três expressões racistas que devem ser proibidas no dia a dia. Neste mês que é celebrado a Consciência Negra, a Secretaria de Justiça e Cidadania (Sejus-DF) defende uma revisão profunda das expressões utilizadas no cotidiano das pessoas, para construir uma sociedade antirracista.
Para fazer o enfrentamento desse problema que reflete a presença do racismo estrutural e institucional enraizado na cultura brasileira, a Sejus, por meio da subsecretaria de Direitos Humanos e Igualdade Racial (Subdhir), adota diversas ações que têm por objetivo promover a mudança comportamental, de modo que as vítimas não sejam oprimidas na hora de fazer denúncias, ou na forma de cursos para que as pessoas compreendam porque devemos mudar nossa forma de expressar e evitar qualquer prática de racismo.
O Letramento Racial é um curso ministrado a servidores públicos que revela as diversas manifestações de discriminação encobertas pelo que se chama de normalização, mas que deveriam ser rechaçadas e denunciadas. A antropóloga social pela Universidade de Brasília (UnB), Renata Nogueira, ensina que o racismo é estrutural porque está presente na forma como imaginamos o mundo, como hierarquizamos as pessoas e como criamos expectativas de papeis para certos grupos.
Segundo a professora, as expressões “lista negra”, “a coisa está preta”, “magia branca”, “mulata cor do pecado”, “serviço de preto” e diversas outras reproduzem imaginários sociais destinados à população branca e à população negra. “Sabendo que quase 58% da população no Distrito Federal é negra, em termos de ocupação de espaços de poder a proporção é outra”, afirma.
Dados do Instituto de Pesquisa e Estatística do Distrito Federal (IPEDF) reforçam essa informação e apontam que a disparidade é ainda maior. Em 2023, a distribuição dos trabalhadores ocupados por posição segundo raça e cor, os negros representavam 61,9% ante 38,1% de não negros. No serviço público, a situação é inversa, com 52,4% de não negros e 47,6% de negros. Entre os autônomos, os negros compunham 66,8% do segmento, enquanto não negros, 33,2%. Os empregados domésticos representam 79,1% de negros e 20,9% de não negros.
“Quando olhamos para os números das pesquisas percebemos que até entre os idosos a população negra é maioria, com 58% em comparação a 42% dos não negros. É por isso que tenho defendido políticas transversais dentro de nossa secretaria, porque o entendimento do exercício da cidadania é único”, diz a secretária de Justiça e Cidadania, Marcela Passamani.
Discriminação racial
Luiz Renato Nelson dos Santos é conhecido no Distrito Federal como Mestrando Vagalume. Professor de capoeira, ele revela o desconforto de já ter sido vítima do racismo estrutural. Tudo aconteceu numa escola no Recanto das Emas, onde dava aulas para crianças e adolescentes. “A direção da escola mudou e fui comunicado que não teria espaço para ministrar as aulas, sem qualquer outra justificativa. Questionei o motivo e a pessoa não respondia. Fui com o administrador na escola, mas nem isso foi suficiente. A alegação era que não tinha espaço no horário. Saímos de lá e fomos para uma quadra, descoberta, mas alguns alunos se machucaram com caco de vidro e aos poucos o projeto acabou, infelizmente. Isso foi um racismo estrutural”, disse.
Expressões racistas
“A coisa tá preta”: Utilizada para se referir às circunstâncias e situações de dificuldade, correlaciona um estado indesejado à cor preta.
“Serviço de preto”: Essa expressão associa pessoas negras à má qualidade ou ao trabalho malfeito, o que reforça estereótipos racistas. É importante reconhecer que a competência e a qualidade do trabalho não têm relação com raça.
“Cabelo ruim/cabelo bombril/cabelo duro”: Utilizada para descrever cabelos crespos ou cacheados, essa expressão desvaloriza a textura natural dos cabelos de pessoas negras, reforçando padrões estéticos eurocêntricos que indicariam que cabelos bons seriam os lisos. A alternativa seria falar “cabelo crespo” ou simplesmente “cabelo” sem conotação negativa.
“Mulata”: Embora seja amplamente usada, a palavra “mulata” tem origem no termo “mula”, animal híbrido, e carrega uma conotação desumanizante para pessoas de origem mista (negra e branca). Prefira usar “parda” ou outras designações que respeitem a identidade da pessoa.
“Da cor do pecado”: Termo que reforça a objetivação e a sexualização do corpo negro, especialmente o das mulheres negras.
“Samba do crioulo doido”: A expressão é empregada em contextos no qual existe desordem, ou sem sentido. No entanto, relaciona a falta de nexo à negritude.
*Com informações da Secretaria de Justiça e Cidadania do Distrito Federal (Sejus-DF)